quinta-feira, 17 de abril de 2008

A situação em Portugal da Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax)

A Gralha-de-bico-vermelho é uma ave com uma estrutura social centrada em dormitórios comunitários, normalmente associados a zonas costeiras ou montanhosas; e encontra-se distribuída por uma vasta mas descontínua área desde a Europa, o Médio Oriente, a Ásia Central até ao Noroeste e o Nordeste de África. No entanto, por toda a sua área de distribuição, esta espécie tem vindo a sofrer uma tendência regressiva nos últimos dois séculos, culminando com a sua extinção em algumas regiões.

Os dados relativos à sua ocorrência e distribuição em Portugal, para a primeira metade do século XX encontram-se referidos por autores entre 1924 e 1945 os quais deixam transparecer que esta espécie poderia ser relativamente comum no território nacional. A partir de 1950 surge a indicação da existência de núcleos como Vila Nova de Mil Fontes, Cabo de S. Vicente e Ponta de Sagres, sem contudo serem apontadas estimativas para a população nacional até ao ano de 1978.

Embora por esta altura fosse reconhecida a preferência desta ave por encostas escarpadas em áreas de montanha, por alcantilados de rio ou por falésias na nossa costa, a situação da sua população neste tipo de biótopos era ainda mal conhecida. Com o desenvolvimento dos trabalhos referentes ao Atlas das Aves que Nidificam em Portugal Continental (1989) surge o primeiro esboço da distribuição e nidificação da Gralha-de-bico-vermelho no nosso território assinalando-se então a sua presença em áreas como a: Serra do Gerês, Douro Internacional, Serra da Estrela, complexo das Serras de Montejunto–Aire-Candeeiros, rio Chança e Costa Sudoeste. De 1986 a 1988 e 1990 surgem dois censos que apontam para 755 e 555 indivíduos (para 6 núcleos conhecidos) respectivamente, evidenciando-se assim uma regressão da espécie em dois anos.

Com o início da década de 90 do século passado surgem novos dados a partir de trabalhos regionais que permitem obter estimativas para áreas como Peneda-Gerês, Douro Internacional, Serras do Alvão e Marão, Serras de Aire e Candeeiros, Costa Sudoeste. Para além das áreas reconhecidas como de nidificação potencial para a espécie, surgem também referências de observação de indivíduos em Arrábida/Cabo Espichel, Alcochete (Tejo), Peninha/Sintra; Minas de Neves Corvo e Serra de Montesinho. Simultaneamente é registado o desaparecimento de núcleos na Serra do Marão e Idanha-a-Nova.

Núcleos reprodutores; Ocorrência regular; Observações pontuais

A redução do número de aves desta espécie, desde a década de 70 até à actualidade, tem vindo a reflectir-se nos locais de dormitório comunal assim como na ocorrência do número de casais reprodutores. A regressão generalizada deve-se, segundo a bibliografia, ao abandono e as alterações dos sistemas tradicionais e de pastoreio extensivo. Porém, alguns estudos apontam para mudanças do comportamento e a interrupção da reprodução, evidenciando que para haver sucesso reprodutor é necessário que se encontrem reunidas todas as condições favoráveis, desde a qualidade do habitat, a idade dos casais reprodutores até ao risco de predação e doença. A perturbação humana é também uma hipótese a considerar, atendendo à possibilidade de pilhagem de ninhos, escalada e trilhos de actividades ao ar livre.

De acordo com os requisitos desta espécie, poderá ser necessário: a criação de incentivos para a prática da pastorícia tradicional; o estímulo à implantação de sistemas de pastoreio em regime de estabulação livre e semi-estabulação, em particular do gado bovino; dificultar o acesso humano aos dormitórios de forma a evitar a perturbação, ordenamento das actividades públicas de acordo com os locais de nidificação, dormitórios comunitários; controlar a florestação nas áreas de habitat de alimentação; e integração dos requisitos ecológicos da espécie nos planos de ordenamento.

Para uma favorável conservação da Gralha-de-bico-vermelho em território nacional, de acordo com a bibliografia disponível, é urgente a criação de um Grupo de Trabalho sobre a Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) de forma a realizar um censo à escala nacional para estimar a sua população, determinar a tipologia de dormitórios, compreender a flutuação anual do número de indivíduos no seio dos núcleos populacionais e determinação dos factores de ameaça à conservação da espécie.Só através de um esforço concertado se poderá desenvolver uma monitorização de parâmetros populacionais que permitam avaliar a distribuição e abundância desta espécie com vista a inverter a tendência regressiva no nosso país.


Paulo Travassos

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O passado e o presente da Gralha-de-bico-vermelho no PNAlvão: Acções práticas de conservação

Decorria o ano de 1983 quando, a 8 de Junho, foi publicado o Decreto-Lei n.º 237/83 que criou o Parque Natural do Alvão (PNAlvão http://portal.icnb.pt/) Situado na parte Norte de Portugal, na província de Trás-os-Montes e Alto Douro, no distrito de Vila Real, o Parque reparte-se pelos concelhos de Vila Real e Mondim de Basto, com uma área total de 7220 hectares.


Do total das 177 espécies que ocorrem regularmente no PNAlvão, e de acordo com a Valoração das Espécies de Vertebrados, realizada para o Plano de Ordenamento do PNAlvão, Resolução do Conselho de Ministros nº 62/2008, de 7 de Abril, obtida pela valoração do estatuto de conservação, estatuto biogeográfico, sensibilidade e estatuto regional, a Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax), foi classificada como uma das três espécie mais valorizadas, conjuntamente com o Lobo-ibérico (Canis lupus signatus) e a Toupeira-d’água (Galemys pyrenaicus).


Considerando a importância dos valores de flora e fauna e a fragilidade de determinados habitats de montanha e a ocorrência de espécies raras, ameaçadas e endémicas, onde se enquadrava a Pyrrhocorax pyrrhocorax, em 8 de Setembro de 1993 foi publicada a portaria n.º 834/93, que cria duas zonas de interdição à actividade cinegética: a Zona de Interdição à Caça (ZIC) Fisgas/Vale da Fervença e a ZIC dos Morros Graníticos de Arnal. Sendo este ultimo, o local onde se encontrava e continua a encontrar, a área vital do núcleo populacional de Pyrrhocorax pyrrhocorax do Alvão. Assim foi implementada, na prática, a primeira acção de conservação para esta espécie no PNAlvão.


Desde 1991 que esta espécie tem sido observada no PNAlvão, sendo que, existem apenas observações pontuais, à excepção de um estudo mais sistemático realizado por Nascimento em 1996. Ao longo destes últimos 16 anos têm sido observados comportamentos que indiciam reprodução, nomeadamente: parada nupcial e cópula (1994), arranjo do ninho (1995), vestígio de criação na cavidade (1996), parada nupcial (1998), permanências no ninho (2006) e vestígios de restos de cascas de ovo junto ao ninho (2007). No entanto nunca foram encontrados quaisquer referências à observação de juvenis desta espécie, independentemente de haver ou não criação. Um facto importante é a existência de ninhos em dois locais diferentes. De acordo com o estudo realizado por Pereira (2006), foram obtidas informações junto de um pastor que confirmou que a espécie sempre utilizou estes locais para nidificar, bem como o hábito dos rapazes da aldeia recolherem os juvenis que iam nascendo.

De modo a contrariar a possível pilhagem dos juvenis desta espécie, numa acção conjunta entre o PNAlvão e o Laboratório de Ecologia Aplicada (LEA http://www.lea.web.pt/) da UTAD, foram desenvolvidos esforços no sentido de condicionar a acessibilidade a um dos locais de criação, através da colocação de um portão.


No decurso dos últimos trabalhos realizados sobre a Gralha-de-bico-vermelho na área do PNAlvão e outras áreas adjacentes (nomeadamente no Barroso), a falta de abrigos (de nidificação e de dormitório), através da sua degradação e/ou obstrução (pelo crescimento da vegetação) tem-se mostrado um dos factores, mais limitantes para a manutenção/crescimento da população desta espécie. Neste sentido, nos finais de 2007, o PNAlvão e o LEA, desenvolveram uma acção de limpeza da vegetação que obstruía dois cortes de exploração mineira abandonados, (numa área próxima mais ou menos 1 Km de um dos locais de nidificação) que apresentava condições propícias para a ocupação por parte deste espécie.











Com esta acção esperamos obter um aumento das condições de nidificação ou dormitório para a Gralha-de-bico-vermelho.


Paulo Barros

terça-feira, 8 de abril de 2008

Ecologia e Caracterização do Núcleo de Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) no Parque Natural do Alvão

A população nacional de Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) encontra-se classificada como “Em Perigo” e acompanha a tendência mundial da espécie, cujas populações se encontram em acentuada regressão. Nesta perspectiva este estudo teve como objectivo determinar a fenologia e estatuto local da espécie, bem como a estrutura do habitat utilizado e a dieta alimentar, no Parque Natural do Alvão. Com esse intuito, recorreu-se a métodos de observação directa, à utilização de câmaras fotográficas de detecção remota, à marcação individual e ao radioseguimento de aves.

Ao longo de 8 meses (de Fevereiro a Outubro de 2006), foi avaliada a constituição da população. O número de aves que compõe o grupo estudado variou ao longo do ano; observou-se um maior número de indivíduos durante o período de Inverno (em média 16 indivíduos) tendo este número decrescido no período reprodutor (em média 4 indivíduos). Confirmou-se, para o ano de 2006, a presença de um casal reprodutor com indícios de nidificação possível. A Gralha-de-bico-vermelho utiliza nesta área dois dormitórios: uma cavidade em maciço granítico e um corte de exploração mineira no subsolo, este último utilizado com maior frequência.



O método de radioseguimento permitiu obter a confirmação da fidelidade aos dormitórios monitorizados e determinar as principais áreas utilizadas para alimentação.


O habitat utilizado pela espécie encontra-se acima dos 700 metros, caracterizado essencialmente pela presença de afloramentos rochosos graníticos, associados a vegetação rasteira constituída por Carqueja (Pterospartum tridentatum), Urzes (Erica arborea e Erica cinerea) e por herbáceas. Nos locais amostrados foram registados indícios da sua utilização por gado bovino Maronês e caprino, assim como por Coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus).

O estudo das amostras de dejectos recolhidos nos dormitórios desta ave revelou a presença de insectos na sua dieta alimentar, dos quais se destacam os Aracnídeos (Aranhas), Coleópteros (Escaravelhos), Dípteros (Moscas) e Hymenopteros (Formigas) e ainda sementes de diferentes espécies de plantas.

Como conclusão deste estudo são propostas linhas de conservação e protecção, tais como:

  • Criação de incentivos para a prática da pastorícia tradicional;
  • Manter a prática da queima tradicional de matos;
  • Estimular a manutenção do pastoreio tradicional de Inverno;
  • Integração dos requisitos ecológicos da espécie nos planos de ordenamento;
  • Controlar a florestação nas áreas de habitat de alimentação;
  • Promover acções de sensibilização junto das populações locais sobre a importância que esta espécie tem como indicadora dum "ambiente de alta qualidade".

Carla Pereira