terça-feira, 9 de setembro de 2008

As Gralhas-de-bico-vermelho no PNSACV

Após algumas trocas de e-mails com o Pedro Portela (Vigilante do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina- PNSACV), tendo como tema de conversa as Gralhas-de-bico-vermelho, e na perspectiva de uma parceria entre este grupo de trabalho e o PNSACV, foi agendada uma reunião para discutir algumas metodologias. Esta reunião foi realizada em Odemira, no dia 27 de Agosto, onde estiveram presentes o Paulo Travassos, Carla Pereira, Paulo Barros (Projecto Bico-vermelho), Pedro Portela (Vigilante PNSACV) e Pedro Rocha (Director Adjunto da DGAC-Sul), que nos ocupou a manhã toda.

Após a degustação de uma bela feijoada de gambas, saboreada no refeitório do mercado de Odemira, ruma-mos para Sul em direcção a Sagres, na companhia do Pedro Portela, com o objectivo de observar Gralhas-de-bico-vermelho. Depois de uma hora de viagem deparámo-nos com um grupo de aves que se alimentavam num pousio, de onde se destacava um grupo de aves pretas cuja silhueta nos parecia familiar. Neste grupo, além de Gralhas-pretas (Corvus corone), de imediato se identificaram Milhafres-pretos (Milvus migrans), Peneireiros (Falco tinnunculus), Falcão-peregrino (Falco peregrinus) e, um grupo de 42-46 indivíduos de Gralha-de-bico-vermelho.
Este primeiro contacto foi para nós uma novidade em termos de comportamento alimentar. Embora já tivéssemos tido a oportunidade de ler o testemunho do João Carlos Farinha sobre tal facto, nunca tivemos a oportunidade de observar Gralhas-de-bico-vermelho pousadas no topo dos cardos (Cynara sp), a alimentarem-se a partir da influrescência. Após alguma surpresa em relação a este comportamento, questionámo-nos se estas aves se alimentariam das sementes dos cardos. Não deixamos de procurar o que haveria sob a influrescência dos cardos, e cedo constata-mos que sob estas, para além das sementes dos cardos, existia um manancial de larvas, que possivelmente seria as presas que as aves procuravam. Este facto vai com toda a certeza conduzir-nos a um novo desafio no âmbito do estudo da dieta alimentar desta espécie.
Após breve paragem entre Vila do Bispo e Sagres, seguimos caminho em direcção do mar sempre para sul pisando a pouca terra que nos separava do mar. Parando aqui e ali, sempre que um monte abandonado se nos deparava, na perspectiva de encontrar algum dormitório ou local de nidificação preferencialmente localizados em estruturas, como casas abandonadas ou resguardos para os animais (comportamento normal nesta espécie em outros países), mas que no final apenas confirmou os nossos receios: a Gralha-de-bico-vermelho não tem preferência por construções humanas (pelo menos actualmente).Chegados à linha de falésias da zona de Sagres, o Pedro Portela conduziu-nos a um dormitório comunal e possível local de nidificação.


Este cenário, à beira mar plantado, além de belo e com a linha do horizonte a afundar-se no mar, era para nós desigual em tudo o que nos ligava à espécie que há muito tempo vimos seguindo nas terras de montanha do norte. Por momentos, fez-nos recordar a ilha de Islay e a linha de costa que aí dá abrigo a dezenas de aves desta espécie.

Após alguns momentos de reflexão sobre as características comuns e as diferenças entre as duas costas a Norte e a Sul da Europa e as nossas serras do interior norte, decidimos partir desta feita para Oeste, na tentativa de observar as Gralhas-de-bico-vermelho a recolherem num outro abrigo, situado na linha de costa para norte do Cabo de Sagres.
Chegados ao destino, após algum tempo de espera, eis que ao longe observamos um par de Gralhas-de-bico-vermelho a aproximar-se, depois mais duas e outra e mais outra, contabilizando num primeiro momento 6 indivíduos.

Enquanto esperávamos pela chegada de mais exemplares de Gralhas-de-bico-vermelho eis que se observa muito ao longe, ao largo da costa um bando do que fazia supôr ser algumas dezenas de gralhas, que acabaram por se perder na linha de costa. Na tentativa de descobrir um novo dormitório, sem mais demoras dirigimo-nos para o local. Chegados aí fomos surpreendidos por um bando de Gralhas-de-nuca-cinzenta; afinal o que o nosso entusiasmo nos tinha levado a pensar ser um dormitório de Pyrrhocorax pyrrhocorax era afinal um dormitório de Corvus monedula. No entanto, não deixamos de observar atentamente os exemplares desta espécie que é escassa no interior norte do país e, que utilizam a costa Sudoeste como local de ocorrência, sendo uma zona de eleição para a observação deste corvídeo.

Enquanto andávamos de um lado para outro atrás de Corvus monedula, o bando que havia-mos observado durante a tarde tinha chegado ao local do dormitório onde tínhamos planeado a espera. E, numa azáfama, lá regressamos nós ao dormitório onde anteriormente tínhamos estado, deparando-nos apenas com meia dúzia de Gralhas-de-bico-vermelho pousadas na falésia sobre o dormitório. A sua permanência durante longos minutos permitiu a observação atenta de algumas características de imaturidade destas aves que nos podem indicar a existência de indivíduos nascidos este ano, e que só recolheram ao dormitório após alguns chamamentos dos possíveis progenitores.

Por esta altura já escurecia, e o vento forte empurrava-nos para dentro da viatura como que a dizer que eram horas de rumar para outro extremo de Portugal, bem a Norte. No entanto, antes de terminar esta breve visita ao extremo SW, não quisemos abandonar o local sem observar a recolha das últimas aves em jeito de despedida.
Desta feita, após um último olhar sobre a silhueta de uma ave negra de bico curvo sobre o mar, lá deixamos a linha de costa um pouco a contra gosto, e dirigimo-nos para Odemira onde haveria de ficar o nosso anfitrião e guia, Pedro Portela. Neste périplo por terras que constituem o último reduto das Gralhas-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) no sul de Portugal deixámos a promessa de uma estreita colaboração em prol desta espécie emblemática e a certeza de lá voltar com mais tempo.

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